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BNZ em foco

Do Direito de Acesso à Justiça e a sobrecarga do Judiciário – Necessidade de o Consumidor Comprovar a Resistência à Solução Amigável por parte do Fornecedor

Publicada em: 21/09/23

A Constituição Federal Brasileira, prevê como uma de suas cláusulas pétreas o princípio do livre acesso à justiça, conforme garantido no artigo 5º, XXXV.

A facilitação ao acesso à justiça é direito de todo cidadão em um Estado Democrático de Direito, e todo ato que visar obstar ou dificultar o direito de ação ou da defesa, poderá ser considerado como ofensa ao princípio do livre acesso à justiça.

Contudo, o Processo Civil possui diretrizes básicas e requisitos mínimos  para o ingresso de ação, tais como os pressupostos processuais para o regular  desenvolvimento do processo, sendo que a ausência destes poderá ensejar o a extinção da ação sem resolução do mérito, nos termos do 485, inciso IV, do Código de Processo Civil que, conforme o princípio constitucional do devido processo legal, não podem ser considerados como limitações ao acesso à justiça, pois o mínimo que se espera na relação processual é que sejam observadas e obedecidas as formalidades processuais.

Ademais, o Código de Processo Civil, procurando inovar na busca por soluções amigáveis do conflito, em seu artigo 3º, além de reproduzir didaticamente em seu caput o princípio ao acesso à justiça, também trouxe em seus parágrafos, técnicas de soluções consensuais, tais como conciliação, mediação e arbitragem.

O intuito de prever técnicas de soluções pacíficas de conflito visa diminuir a morosidade do sistema judiciário, garantindo ao jurisdicionado, a obtenção da solução integral e satisfativa, em prazo razoável, nos termos do art. 4º, CPC.

Nota-se que o Código de Processo Civil, embora mantenha a inafastabilidade da jurisdição, prevê métodos alternativos de resoluções de conflito, justamente para garantir maior fluidez ao sistema judiciário, tendo em vista a sobrecarga de processos que poderiam ser evitados e/ou solucionados sem a necessidade de intervenção do judiciário. Assim, vislumbra-se que até mesmo para o desenvolvimento regular do processo, a tentativa de solução prévia ao litígio judicial pode ser considerada um pressuposto processual.

Nestes termos, em atenção aos princípios e normas acima destacados, alguns Juízos e Tribunais de Justiça do País, já determinam que, no mínimo, a parte autora demonstre que a prévia tentativa de solução do conflito por meios extrajudiciais, como um dos pressupostos processuais para o desenvolvimento regular do processo, para efetiva admissibilidade da ação, sob pena de extinção do processo, nos termos do artigo 485, inciso IV, do Código de Processo Civil.

Em decisão proferida na Comarca de Nova Andradina/MS, foi prolatada decisão que entendeu pela necessidade de o consumidor utilizar a ferramenta gratuita do “consumidor.gov[1], ocasião em que o Juiz determinou a suspensão do processo pelo prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de extinção por ausência de interesse de agir[2]. Vale citarmos:

 

“(...) Com fito de garantir a efetividade a tal comando, impõe-se o uso da ferramenta gratuita “concumidor.gov” (sítio hospedado em domínio do Governo Federal pelo Ministério da Justiça), que consiste em um “novo serviço público para solução alternativa de conflitos de consumo por meio da internet, que permite a interlocução direta entre consumidores e empresas, fornece ao Estado informações essenciais à elaboração e implementação de políticas públicas de defesa dos consumidores e incentiva a competividade no mercado pela melhoria da qualidade do atendimento do consumidor. (....) É imperioso ressaltar que tal imposição não se caracteriza como obstáculo ao princípio ao acesso a justiça. Pelo contrário. Trata-se de um método que prestigia a doutrina conciliatória, privilegiada pelo Novo Código de Processo Civil e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), evitando-se o ajuizamento de ações (é notável p número de acordos realizados via “internet”) e, consequentemente, reduzindo custos e desafogando o Poder Judiciário, que, estreme de dúvidas, em caso de insucesso na via administrativa, poderá ser normalmente provocado. Os próprios Tribunais de Superposição, Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF), já caminham no sentido de exigirem a demonstração da pretensão resistida (que não se confunde com o exaurimento das vias administrativas), sem que isso gere qualquer incompatibilidade com o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. É o que se vê no REsp 1349453/MS e no RE 631240. (...) Isto posto, nos termos da fundamentação retro e privilegiando-se as formas alternativas de resolução de conflitos, suspendo o processo, pelo prazo de 30 (trinta) dias, a fim de que a parte autora promova a exposição dos fatos narrados na petição inicial e o registro de seus pedidos em relação a parte ré por meio da ferramenta gratuita “consumidor.gov”, sob pena de extinção por ausência de interesse de agir. Consigne-se que em caso de insucesso na via administrativa, a parte autora deverá trazer aos autos todos os comprovantes oriundos do sítio eletrônico “consumidor.gov”, como forma de comprovar a tentativa de conciliação”

Nesse diapasão, é também o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[3]:

“É de se manter, portanto, a decisão da origem, que determinou a suspensão do feito pelo prazo de 30 dias para que a parte demonstre ter tentado resolver a questão administrativamente.”

Observa-se que não se nega o direito de acesso à justiça, mas, sim, incentiva-se os meios alternativos de solução de conflito, com o intuito de dar maior celeridade ao sistema judiciário e fomentar a desjudicialização.

Logo, nota-se que o Judiciário está atento à necessidade de que o consumidor demonstre alguma resistência dos fornecedores de produtos e serviços em solucionar a questão por meios amigáveis como forma de demonstração do preenchimento de pressupostos processuais, já que, como se sabe, o interesse de agir de um está relacionado à resistência do outro. Assim, não há dúvidas de que a ausência de resistência na solução do impasse impediria o deslinde processual.

Desta feita, diante deste cenário, ou seja, de decisões que fomentam a solução alternativa do conflito para “salvar” o Judiciário, o que é benéfico à toda a sociedade, entendemos que, cada vez mais, os serviços de atendimento ao cliente devem estar preparados para receber e tratar das demandas recebidas, apresentando alternativas ao consumidor para solução dos conflitos ou fundamentando e esclarecendo ao cliente, de acordo com os preceitos legais, as razões pelas quais, eventual reclamação apresentada mostra-se não fundamentada, a exemplo de situações em que (i) não foi constatado qualquer vício ou defeito no produto; (ii)  a culpa exclusiva do consumidor pelo mau uso ou uso inadequado que gerou um problema em determinado produto; (iii) o produto já ter sido reparado e não apresentar qualquer problema insanável; (iv) o produto não apresenta condições para que uma garantia seja concedida, entre outros.

Tais esclarecimentos prévios traduzem, também, o cumprimento, pelo fornecedor, do dever de informar, o que é salutar na relação de consumo.

Concluiu-se, portanto, que tais preceitos processuais e constitucionais das decisões recentes que entendem pela falta de interesse de agir quando da ausência de tentativa de solução extrajudicial pelo consumidor, também estão em consonância com o art. 4º, CDC que preza pela harmonização e equilíbrio das relações de consumo.

[1] https://www.consumidor.gov.br/pages/principal/?1513173895265 

[2] FRANCO, Ellen Pricile Xandu Kaster – Processo 0802999-70.2016.8.12.0017 – Primeira Vara Cível da Comarca de Nova Andradina do Estado do Mato Grosso do Sul – Sentença Proferida em 06/09/2016

[3] TJRS, Agravo de Instrumento nº 000839-28.2015.8.21.700, Rel. Desembargador Eugênio Facchini Neto, j. 26.08.2017

 

Roque Calixto Choairy Pinto

 

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